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ARTE MODERNA. [1922]

por MENOTTI DEL PICCHIA

 

Confênciaa de Menotti del Picchia, em 15/02/1922, na segunda noite da Semana de Arte Moderna. Está publicada, originalmente, e  O curupira e o carão.  São Paulo: Hélios, 1927.

 

Texto extraído do livro:

 

TELES, Gilberto Mendonça.  Vanguarda europeia & Modernismo brasileiro.   Apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas21ª. edição.  Rio de Janeiro: José Olimpio, 2022.   658 p.    ISBN 978-85-5547-069-4             Ex. bibl. Antonio Miranda

        “Pela estrada de rodagem da via láctea, os automóveis dos planetas correm vertiginosamente.  Bela, o Cordeiro do Zodíaco, perseguido pela Ursa Maior, toda dentada de astros. As estrelas tocam o jazz-band de luz, ritmando a dança harmônica das esferas. O céu parece um imenso cartaz elétrico, que Deus arrumou no alto, para fazer o eterno reclamo de sua onipotência e da sua glória.”

                Este é o estilo que de nós esperam os passadistas, para enforcar-nos, um a um, nos finos baraços dos assobios das suas vaias.  Para eles nós somos um bando de bolchevistas da estética, correndo a 80 H.P. rumo da paranoia. Somos o escândalo com duas pernas, o cabotinismo organizado em escola. Julgam-nos uns cangaceiros da prosa, do verso, da escultura, da pintura, da coreografia, da música, amotinados na jagunçada do Canudos literário da Paulicéia desvairada...
Que engano! Nada mais ordeiro e pacífico que este bando de vanguarda, libero do totemismo tradicionalista, atualizado na vida policiada, violenta e americana de hoje.  Ninguém respeita mais o “casse-tête” do guarda-cívico da esquina que esse pugilo de facínoras aparentes, ainda com as mãos fumegantes do sangue de Homero, Virgílio, Dante, Camões, Victor Hugo, sobretudo Zola e os neogregos, com Heredia à frente...
É que se assassinamos, sem penas, papões inatuais, lhes beijamos, com reverência, os túmulos, amando-os com a alma localizada na data dos epitáfios das suas carneiras.

                Aos nossos olhos riscados pela velocidade dos bondes elétricos e dos aviões, choca a visões das múmias eternizadas pela arte dos embalsamadores. Cultivar o helenismo como força dinâmica de uma poética do século é colocar o corpo seco, enrolado em bendas [sic], de um Ramsés ou de um Annésis, a governar uma república democrática, onde há fraudes eleitorais e greves anarquistas.

                Aos discóbolos de Sparta, opomos Friedenreich e Carpentier. À derrocada de Illion, a resistência de Verdun ou uma batalha de quemalistas.   Às princesas de baladas de castelos roqueiros, preferimos a datilógrafa garota.  Não queremos fantasmas! Estamos num tempo de realidades e violências.

                A nossa estética é de reação. Como tal, é guerreira. O termo futurista, com que erradamente a etiquetaram, aceitamo-lo porque era um cartel de desafio.  Na geleira de mármore de Carrara do parnasianismo dominante, a ponta agressiva dessa proa verbal estilhaçava como um aríete. Não somos, nem nunca fomos “futuristas”.  Eu, pessoalmente, abomino o dogmatismo e a liturgia da escola de Marinetti.  Seu chefe é, para nós, um precursor iluminado, que veneramos como um general da grande batalha da Reforma, que alarga se front em todo o mundo. No Brasil não há, porém razão lógica e social para o futurismo ortodoxo, porque o prestígio do seu passado não é de molde a tolher a liberdade da sua maneira de ser futura. Demais, ao nosso individualismo estético, repugna a jaula de uma escola. Procuramos, cada um, atuar de acordo com nosso temperamento, dentro da mais arrojada sinceridade.

                O que nos agrega não é uma força centrípeta de identidade técnica ou artística.  As diversidades das nossas maneiras as verificareis na complexidade das formas por nós praticadas. O que nos agrupa é a ideia geral de libertação contra o faquirismo estagnado e contemplativo, que anula a capacidade criadora dos que ainda esperam ver erguer-se o sol atrás do Partenon em ruínas.
Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, motores, chaminé de fábricas, sangue, velocidade, sonho, na nossa Arte! E que o rufo de um automóvel, nos trilhos de dois versos, espante da poesia o último deus homérico, que ficou, anacronicamente, a dormir e sonhar, na era do jazz-band e do cinema, com a flauta dos pastores da Arcádia e os seus divinos de Helena!

                                                  ***

                No século das descobertas, que foi o XIX, o gênio insone das reformas trabalhava na obra de Cézanne, Rodin, Rimbaud e Wagner. No século da construção e aproveitamento dessas descobertas, encartamo-nos no formidável movimento de fixação basilar de uma nova estética, na qual seremos, futuramente, os neoclássicos. O exotismo torturado dos obreiros da nossa diretriz artística não é mais que a poeira do ouro de uma grande nebulosa que dará à luz um novo mundo.

                Não vos espante o dadaísmo, o tatilismo, o cubismo, o bolchevismo, o erostratismo: são ingredientes mágicos e efêmeros da alquimia humana, preparando o novo molde mental sobre o qual se repetirão, secularmente, os futuros acadêmicos, os decadentes, e os passadistas. Nós somos o Alfa do novo ciclo.
Queremos estrelar apenas os últimos destroços do Ômega do ciclo morto, para desenvolvermos a autonomia vibrante da nossa maneira de ser no tempo e no espaço.

                                          ———————

        Qual é a nossa arte?

        Senhoras, chorai a morte da mulher leitmotiv das jeremiadas líricas. Até ontem, poetas cabeludos, falsos como brilhantes pingos-d´água, só descantavam ELA.  Ela era o que Masarinetti chamava a mulher fatal.  Para eles — idiotas I — não havia automóveis, corsos, sapateiros martelando solas, ministros vendendo do pátrias a varejo no balcão internacional de conferências e tribunais de arbitragem. Ela era omnímoda. Fazia carnívoros pensantes despencarem do Viaduto do Chá em loopings imprevistos. Cismavam debaixo dos salgueiros, em outonos preparados pelos jardineiros do Sr. Firmiano Pinto. Picavam o braço com injeções de cocaína, que as faziam granar uns olhões românticos e coruscantes como dois faróis de voiturrettes.
E choravam, choravam guedelhudos, inúteis, parvos, inaturais, necessitados de institutos disciplinares a abluções de água-de-colônia...
Quando o recheio de empadinhas poéticas, que são os sonetos, não era um rabo de saia, lá vinham, fatalmente, guisados com acepipes verbais parnasianos, os truculentos deuses de Homero. ELA ou Júpiter. A poesia cifrava-se nesse dilema: Elvira ou o Olimpo.

              E — enquanto a engenharia moderna fazia cócegas na estrelas dom a unha de aço dos para-raios dos arranha-céus, e na pauta dos fios telefônicos a sinfonia dos telégrafos orquestrava revoluções bolchevistas, trucidações de armênios, a descoberta de novos tipos de hélices — eles, com os olhos cravados n Grécia caricatural do Rei Constantino, cantavam as estroinices de Vênus, a saturnal sórdida dos deuses, precursores obscenos do Maxim´s e do Apollo, onde até ontem zuniam roletas!
Júpiter poderá entrar na nossa Arte, mas não o admitiremos nu, inatual, cabeludo, como o aceitam os parnasianos. Não queremos saber de escândalos, nem de ter que ajustar contas com a polícia. O pai dos deuses, para transitar nas nossas ruas, é mister que vá, antes, ao banheiro, vista uma sóbria sobrecasaca, deixe em casa o perigoso revólver olímpico que era a caixinha dos raios, e, burguês e pacífico, tal qual o pin´tou André Gide, se anule na vida comum, na tragédia comum dos outros homens.

                  Basta de se exaltar artimanhas de Ulisses, num séculos em que o conto do vigário atingiu a perfeição da obra-prima. Basta de se descrever as correrias dos sátiros caprinos atrás das ninfas levípedes e esguias.: a Babilônia paulista está cheia de faunos urbanos se as ninfas modernas dançam maxixe ao som de jazz, sem temer mais egipãs da República...

                Morta a Hèlade! Organizaremos um zé-pereira canalha para dar uma vaia definitiva e formidável nos deuses do Parnaso!
E a mulher? Fora a mulher-fetiche, a mulher cocaína, a mulher-monomania, l´éternelle Madame!

                 Queremos uma Eva ativa, bela, prática, útil no lar e na rua, dançando o tango e datilografando uma conta-corrente; aplaudindo uma noitada futurista e vaiando os tremelicantes e ridículos poetaços de frases inçadas de termos raros como o porco-espinho de cerdas.

                 Morra a mulher tuberculosa lírica! No acampamento da nossa civilização pragmatista, a mulher é colaboradora inteligente e solerte da batalha diuturna, e voa no aeroplano, que reafirma a vitória brasileira de Santos Dumont, e cria o mecânico de amanhã, que descobrirá o aparelho destinado à conquista dos astros!

                                         ***

        Só isso? Não. Não nos limitamos somente a banir da gaiola das rimas o fetiche femina, nem a rechaçar para a montanha a tropa olímpica dos deuses. Queremos libertar a poesia do presídio canoro das fórmulas acadêmicas, dar elasticidade  e amplitude aos processos trécnicos, para que a ideia se transubstancie, sintética  e livre, na carne fresca do Verbo, sem deitá-la, antes, no leito Procusto dos tratados de versificação.  Queremos exprimir nossa mais livre espontaneidade dentro da mais espontânea liberdade. Ser, como somos, sinceros, sem artificialismos, sem contorcionismos, sem escolas. Sonorizar no ritmo original e profundo tudo o que reboe nas nossas almas de dino, carrilhonando as aleluias das nossas íntimas páscoas, dobrando a angústia dos nossos lutos.

               Dar à prosa e ao verso o que ainda lhes falta entre nós: ossos, músculos, nervos. Podar, com a coragem de um Jeca que desbasta à foice uma capoeira, a “selva áspera e forte” da adjetivação frondosa, farfalhuda, incompatível com um século de economia, onde minuto é ouro.  Matar Verlaine, esse desalentado Wilde, esse psicopata Zola, esse “açogueiro” Farrére, esse Ohnet de casaca, Geraldy, esse almofadinha...

                 Nada de postiço, meloso, artificial, arrevesado, precioso; queremos escrever dom sangue — que é humanidade; com eletricidade — que é movimento, expressão dinâmica do século; violência — que é energia bandeirante.

                Assim nascerá uma arte genuinamente brasileira, filha do céu e da terra, do Homem e do mistério.

                 Neste palco, há meses, quem tinha uma casaca para se sentar numa poltrona, ou 20$000 para se encarapitar nas torrinhas, assistiu a esta coisa inaudita: quarto ato de Mefistófeles de Boito. Fausto e Mefisto vão ao Olimpo à procura de D. Helena, seu predestinado marido, e fez Cassandra dizer profecias, Ulisses inventar o Cavalo de Troia, Eneias fugir com o velho Anquises para o Lácio. — Aos requebros da batuta de Marinuzzi apareceram em cena os deuses da Grécia! Quem eram? Júpiter, Marte, Mercúrio, Vulcano, Plutão, Netuno... Claro que, no palco, eram comparsas, gigante latagões italianos, de pernas felpudas, gestos de pantomima.

                Na cabeça, por coroas reais, tinha pedaços de lata.  O u=ouro de suas túnicas de ganga era feiro com papel pintado. O espadagão de Marte era de estanho. Os raios de Zeus, de ferro batido...
Pois bem, essa ridícula comparsaria gaiata lembrou-me todo o Panasianismo, com seus heróis de papelão, com seus deuses de fancaria, com seus menestréis de gravura.
Hoje que, em Rio Preto, o cowboy nacional reproduz, no seu cavalo chita, a epopeia equestre dos Rolandos furibundos; que ao industrial de visão aquilina amontoa milhões mais vistosos do que de Ícaro, por que não  atualizamos nossa arte, cantando  essas Ilíadas brasileiras? Por que preferimos uma Atenas cujos destroços de Acrópole já estão pontilhados de balas de metralhadoras?

                Não! Paremos diante da tragédia hodierna.  A cidade tentacular radica seus gânglios numa área territorial que abriga 600.000 almas.  Há uma angústia e na glória da sua luta odisséias mais formidáveis que as que cantou o aedo cego: a do operário reivindicando seus direitos, e do burguês defendendo sua arca; a dos funcionários deslizando nos trilhos dos regulamentos; a do industrial combatendo o combate da concorrência; a do aristocrata exibindo o seu fausto; a do  político assegurando a sua escalada; a da mulher quebrando as algemas da sua escravidão secular nos gineceus eventrados pelas ideias libertárias post-bellum... Tudo isso — e o automável, os fios elétricos, as usinas, os aeroplanos, a arte — forma os nossos elementos da estética moderna, fragmentos de pedra com que construiremos, dia a dia, a Babel de nosso sonho, no nosso desespero de exilados de um céu que fulge lá em cima, para o qual galgamos na ânsia devoradora de tocar com as mãos as estrelas.

( PICCHI, Menotti del.  O curupira e o carão.
                             São Paulo: Hélios, 1927.)


“(... esta conferência tem o valor  documental de demonstrar a unidade e a continuidade da orientação verdamerela.”  GILBERTO MENDONÇA TELES.)


 

 

 
 
 
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